Há o amante, a amada e, entre eles, o amor
A
sexualidade pode nos abrir a uma outra dimensão, porque, durante alguns
instantes, nós nos esquecemos de nós mesmos e nos entregamos. E nesta
experiência de doação, nesta experiência de abertura, há a Presença que
vem nos encontrar. Há esta presença que Graf Dürckheim chama “O Grande
Terceiro”. Nesta ocasião compreendemos que o amor não depende de mim ou
de você mas de um terceiro entre nós.
Há o amante, a amada e, entre eles, o amor. Este amor tem uma vida própria.
Algumas vezes duas pessoas olham demais
uma para a outra e não olham juntas na mesma direção. Não olham juntas
para este terceiro que as une. Que, ao mesmo tempo, as une e as
diferencia para que não haja mistura, para que não haja redução de um ou
de outro.
Se as pessoas olham este terceiro então a
relação poderá ser duradoura. Neste caso, fez-se a experiência de algo
que não pertence ao tempo.
Vocês talvez notaram, entre alguns de
seus verdadeiros amigos, que vocês podem se separar por muitos anos,
deixarem de se ver por muito tempo e, após 10 ou 20 anos, quando vocês
se encontram é como se continuassem a conversação da véspera. Como se
houvesse entre vocês alguma coisa que não foi utilizada nem destruída
pelo tempo.
Esta experiência de amizade ou de amor é uma experiência da eternidade no tempo. E, novamente, temos uma abertura do nosso ser finito ao infinito.
O encontro pode também ser vivido de um
espírito a outro espírito . A pessoa que nos fala diz exatamente a
palavra que nós pensamos e não sabemos se é ela que fala ou se somos nós
que falamos. Neste caso há um momento de unidade, um momento em que
partilhamos a mesma consciência, um momento em que não estamos mais
enclausurados no nosso pequeno vaso. Sentimos que o nosso pensamento é
compartilhado com o outro pensamento. Isto pode ser vivido ao nível do
coração. A impressão de que conhecemos alguém desde sempre.
Não é necessário apelar para uma vida
anterior. Talvez seja mais necessário apelarmos para nossa vida
interior. Quer dizer que nós nos encontramos ao nível da profundidade
que não está atrás de nós, que não está no passado mas que está no
próprio momento em que vivemos. E aí, novamente, há uma abertura de
coração.
Vocês sabem, porém, que o encontro de
dois seres humanos nem sempre é maravilhoso e transfigurador. Pode ser
destruidor. Através da paixão, do ciúme, podemos nos destruir. Mas com o
recuo posso ver que graças a este conflito, graças a esta separação, a
este rompimento, posso descobrir a mim mesmo. Porque o que se decepciona
em mim é a minha expectativa. Eu fico decepcionado na medida das minhas
expectativas.
Não se trata de acusar o outro, de não
recebê-lo. Trata-se de reconhecer a projeção que estamos fazendo no
outro. E neste momento ocorre como que uma retirada da projeção. Pode
ser um momento de decepção, mas pode ser também um momento de
iluminação. Neste sentido, um pensador francês nos fala da “decepção
iluminadora”. Ele dizia: “Eu tenho ainda muitos amigos a decepcionar”.
Efetivamente, não paramos de projetar uns
nos outros, nossa imagem do homem, nossa imagem da mulher. E há
momentos em que não há mais imagens. E nesta transparência há um
verdadeiro encontro. Um verdadeiro encontro com sabor de transcendência.
Leonardo Boff nos fala do encontro de
Francisco de Assis com os pobres e com o leproso. Estes encontros podem
se dar, entretanto, com pessoas bem comuns. Mas há um momento onde
nossos olhos se abrem. Na liturgia bizantina, quando se fala da
transfiguração de Cristo, diz-se que os discípulos tornaram-se capazes
de vê-lo como ele era. Não era o Cristo que tinha mudado. Era o olhar
dos discípulos.
A experiência da transfiguração não é
somente uma mudança do mundo exterior mas é uma mudança de olhar sobre o
mundo exterior. Mudar de mundo começa por mudar de olhar.
Jean-Yves Leloup