O Nascimento dos Pandavas
Rei Pandu,
o imperador do mundo, matou um sábio e sua esposa, que estavam
disfarçados como veados justo enquanto eles estavam quase se acasalando.
Antes de morrer, o sábio amaldiçoou o rei a morrer se tentasse
conceber uma criança. Enquanto o Mahabharata continua, o sábio
Vaishampayana relata a lamentação de Pandu e o extraordinário
nascimento de seus filhos.
Vaishampayana disse:
Vendo o jovem sábio
falecer, o rei ficou desesperado. Angustiado com a morte acidental do
santo brahmana, ele e suas esposas lamentaram como se por um parente deles.
Pandu disse:
–
Pesosas como eu a quem falta avanço espiritual, ainda que nascido
em famílias nobres, vêm a ser desgraçados por seus
próprios atos tolos. Tais pessoas estão presas na rede dos
seus desejos egoístas.
Tenho ouvido que meu
pai Vicitravirya, embora nascido de pais religiosos, veio a absorver-se
em prazeres sexuais e, por excesso de apego, aquele jovem rei morreu sem
filhos. Entretanto, o autodisciplinado e divino sábio Dvaipayana
gerou-me na mulher de meu pai. [Que abençoado nascimento foi o
meu!] E ainda hoje minha mente degradada tornou-se absorta em paixão
maligna, e perdi-me tolamente em caçada. Sou tão perverso
que mesmo os deuses abandonaram-me!
[Conquistei a Terra
com força militar, mas porque não conquistei meus próprios
desejos materiais, quedei-me em escravidão.] Estou determinado
a me esforçar por salvação, pois escravidão
para este mundo é nada mais que grande calamidade. Agora seguirei
o imperecível passado de meu pai Dvaipayana. Não tenho dúvida.
Praticarei a mais severa austeridade e errarei pelo mundo sozinho como
um mendicante solícito, ficando cada dia debaixo da sombra de uma
árvore simples. Raparei minha cabeça e cobrirei meu corpo
com poeira. Viverei em casas abandonadas ou simplesmente embaixo de uma
árvore, e nada agradar-me-á ou desagradar-me-á.
Não me lamentarei
ou rejubilarei por nenhuma coisa material. Se as pessoas escarnecerem-me
ou louvarem-me, eu aceitarei ambos escárnio e louvor igualmente.
Não ambicionarei nada neste mundo mortal ou adularei nenhum homem
por seu favor. Calor e frio, alegria e dor, vitória e derrota –
não vacilarei diante dessas dualidades mundanas, nem reivindicarei
nada para ser meu. Não serei carrancudo, nem zombarei de nenhuma
criatura. Estarei sempre de semblante alegre e dedicar-me-ei ao bem-estar
espiritual de todos os seres viventes. Não cometerei violência
contra nenhuma vida, móvel ou imóvel, pois sempre verei
todas as criaturas de Deus como meus próprios parentes amados.
Tratarei todas as coisas viventes com igualdade.
Vaishampayana disse:
Falando assim, Rei
Pandu, profundamente entristecido, respirou pesado por um longo tempo.
Encontrando com cuidado os olhos de suas amadas Kunti e Madri, ele disse-lhes:
– Todos precisam
ser comunicados das mudanças em minha vida. Muitas pessoas dependem
de mim, portanto, tão gentil quanto for possível, vocês
precisam informar minha mãe, o sábio Vidura e o Rei Dhrtarastra
e todos os outros parentes. Falem com os nobres Satyavati e Bhisma, todos
os sacerdotes da família real, e os brahmanas, aquelas grandes
almas tão estritas em seus votos que beberam o néctar dos
deuses. Contem aos anciãos e aos mais velhos cidadãos que
nos têm servido com fervor em todas as suas vidas. Contem a eles
todos que Pandu se foi, se foi sozinho para a floresta.
Ouvindo sua decisão
de viver na floresta como um asceta, as mulheres responderam com igual
determinação:
– Há outros
estágios de vida para pessoas casadas nos quais você pode
realizar austeridades pesadas junto conosco, suas legítimas esposas.
Sem dúvida você será bem sucedido e chegará
à residência celestial. Ambas estamos prontas para fixar
nossas mentes e sentidos em vida espiritual, pois estamos determinadas
a seguir você nesta vida e na próxima. Decidimos renunciar
o desejo material e prazer, e suportaremos sérias austeridades.
Ó mais erudito, ó senhor da Terra, se você nos rejeitar,
de imediato abandonaremos nossas vidas. Não há dúvida
sobre isto.
Pandu disse:
– Se isso é
o que ambas vocês decidiram, então podem vir junto, desde
que seus propósitos estejam de acordo com princípios religiosos.
Mas eu as previno, cumprirei meus votos estritamente, seguindo meu pai
Dvaipayana Vyasa. Renunciarei verdadeiramente todo conforto doméstico,
concentrar-me-ei e realizarei severas austeridades. Vagarei na floresta
profunda, vestido em casca de árvore, nutrido com frutas silvestres,
nozes e raízes. Sentar-me-ei ao fogo, não somente no inverno
glacial, mas no verão abrasador.
Banhar-me-ei no rio
não somente no verão, mas no inverno também. Usarei
farrapos e peles e longos cabelos emaranhados, e meu corpo ficará
magro por causa de minha dieta pobre. Terei de tolerar frio, vento e calor.
Fome, sede e fadiga serão meus constantes companheiros. Por meio
de todas essas difíceis austeridades, eu tenho de conquistar e
secar os sentidos antes que eles conquistem-me. Se meus sentidos me superarem,
eu imediatamente morrerei, e não será uma morte gloriosa.
Em todos os meus pensamentos
e atos, o progresso espiritual será minha única meta. Com
os frutos do deserto, maduros ou não, e com minhas palavras e pensamentos
e tudo aquilo que eu coletar, adorarei meus veneráveis antepassados
e a Suprema Personalidade de Deus, a quem eles adoraram, e reverenciarei
os servos autorizados do Senhor que administram este mundo temporário.
Como eu ando pelo
deserto, nunca farei nada para prejudicar ou desagradar os anciãos
que se retiraram para a floresta para liberação espiritual.
Também não perturbarei meus camponeses nem um dos simples
moradores de vila. Seguirei estritamente os mandamentos das escrituras
para vida renunciada na floresta. De fato, desejo seguir o mais severo
desses mandamentos, até que este corpo estiver acabado e eu descansar
em paz.
Vaishampayana disse:
Tendo então
falado a Kunti e Madri, o grande monarca Kuru tirou suas jóias,
coroa, medalhão, braceletes e brincos e ofereceu tudo aos santos
brahmanas, incluindo seu inestimável guarda-roupa e o guarda-roupa
e jóias de suas esposas.
Pandu então
falou novamente, desta vez dirigindo-se a seus seguidores e criados pessoais:
– Vão
para Hastinapura – ele disse, triste – e façam saber
que Pandu, junto com suas fervorosas esposas, partiu para a floresta para
viver como um mendicante, sem riquezas mundanas ou prazer.
Ouvindo estas palavras
despedaçadoras de coração de seu amado senhor, os
seguidores de Pandu e criados pessoais fizeram um terrível clamor
e soluçaram em angústia. Vertendo lágrimas quentes,
eles retornaram de seu monarca a Hastinapura para divulgar sua mensagem
final. Enquanto o líder Kuru Dhrtarastra ouvia deles tudo o que
acontecera na floresta profunda, não conseguia parar de chorar
por seu irmão mais novo