Apego na Bondade Pura
"Antes de ler este texto, sugiro que leiam primeiro Rasa-Tattva: uma introdução e Ingredientes do Amor Divino, por uma questão de continuidade dos conteúdos (Valéria Ornellas)".
Vijaya Kumara e Vrajanatha continuam a indagar sobre bhava, e sthayibhava merece suas atenções. Sri Gopala Guru Gosvami conduz o pensar a respeito de tal questão, e sthayibhava é compreendida através das argumentações. Ele é o apego (rati) que o bhakta tem por Mim no coração, ao se identificar como asraya do visaya que é o seu Senhor. Espontaneamente o sthayibhavase faz manifestar, porque é a essência do que o devoto sente quando volta a Comigo se relacionar. É a atração natural pela qual alguém se deixa envolver, porque lhe pertence naturalmente, segundo o que ele é e está em Meu Coração. Por isso diz-se que estebhava mantém os outros bhavas sobre controle, aceitando alguns deles como motivação para rasa, e outros como assistentes que permitem a rasa testar. Sendo ele a base de todas as demais manifestações e, ao mesmo tempo, o que é o conjunto de todas elas, pode ser compreendido como independente e dependente de tais expressões.
Compreende-se, desta forma, que sthayibhava pode tanto ser apreciado como apreciar os outros bhavas e, sendo assim, quem a ele reconhece pode enfim se investigar, enquanto experimenta aos sintomas que por causa da rasa que lhe é particular haverão de se mostrar. Conforme aqueles que o investigaram colocam, o apego em sthayibhava pode ser tanto primário quanto secundário, havendo dois tipos de rati: mukhya-rati e gauna-rati. Lembre-se que rati é o apego em si daquele que adora ao objeto de sua adoração e, portanto, estes dois tipos de rati mostram o que se passa no coração de quem em estado de contemplação pretende se colocar, enquanto à sua eterna relação com a Fonte da sua capacidade de se relacionar, através dos sintomas, se faz notar.Mukhya-rati está em estado de bondade pura e nasce da condição original da jiva, como uma sua inclinação natural. Ela pode nutrir a si mesma (svartha mukhya-rati), através dos bhavas que são compatíveis; ou nutrir outras ratis (parartha mukhya-rati), acomodando os bhavas compatíveis e os incompatíveis. Em ambos os casos, este apego não tem hora nem lugar para se manifestar e irá se caracterizar de acordo com a situação de cada um em particular, do que afloram os bhavas compatíveis ou incompatíveis, os quais, em um conjunto, compõem ao que irá a rati alimentar.
Mukhya-rati é também subdividida em outros cinco tipos: suddha, dasya,sakhya, vatsalya e madhura. Estes tipos são já bem conhecidos dos devotos que pretendem Comigo se relacionar, porque eles estão ilustrados em muitos dos passatempos através dos quais me faço identificar. Suddha-rati (ou santa-rati) pode ser: comum (samanya), como o que se manifesta em pessoas ordinárias em relação a Mim; ou puro e limpo (svaccha), em devotos que Me veem de diferentes maneiras, segundo a circunstância e de acordo com a hora e o lugar. No primeiro caso, acontece uma ou mais emoções naturais, que afloram do coração de quem, mesmo que por instantes, venha a me contemplar, apesar de nem ao menos me conhecer com profundidade e atenção. O que se chama de pessoa ordinária é aquele que, como indivíduo comum, vive sua vida sem muita preocupação com o que de fato pode lhe conduzir a experimentar o que na vida de melhor pode haver. No entanto, em determinado momento, alguém assim pode se interessar por meus tópicos e, inspirado por Meu Amor e pelo que de Minha Pessoa consegue perceber, chegar a obter lapsos da consciência que lhe permitem me entender e, como efeito de tal evento, rati a ele se faz revelar. É uma atração espontânea e neutra, sem nenhuma característica em particular que possa lhe fazer classificar entre os demais tipos de mukhya-rati em torno das quais quero aqui me colocar.
Svaccha suddha-rati existe em pessoas que não desenvolveram nenhum tipo de rasa em particular, daquelas que se podem denominar segundo o que as faz diferenciar das demais. Estes devotos às vezes Me chamam Prabhu, outras vezes Comigo gostam de brincar ou de amado (kanta) Me denominar e, eventualmente, como o Paramatma conseguem em seus corações me localizar. Suddha-rati pode se estabelecer na mente de alguém equilibrado, que não manifesta nenhuma dos outras rati. Desta forma, há amor e intenção de Me amar, mas não há nenhuma direção em particular que é dada a relação através de determinados bhavas que aos outros quatro tipos de rati se fazem pertencer. Estes quatro tipos são: dasya,sakhya, vatsalya e madhura, e diz-se que todos eles podem ocorrer em um devoto de maneira exclusiva (kevala) ou congestionada (sankula). Em kevala há exclusividade de um tipo de apego (rati), sem nenhum sintoma de outro, como acontece em Meus sinceros amigos, a exemplo de Sridama e Madhumangala, os quais apenas Me tratam com amizade, não havendo mais nada que através deles possa se expressar; e nos Meus pais, como Nanda Maharaja e Vasudeva, que somente me veem como filho e protegido, de modo a Comigo se relacionarem unicamente com afeição parental. Sankula envolve interações entre distintas rati, naqueles que estabelecem relações com quem eles veem como Senhor, amigo, irmão ou qualquer outra rasa que for, como acontece em Bhima e em Balarama, que me direcionam afeição parental (de primo ou irmão), de amizade e serviçal.
Dasya-rati se compõe de sentimentos de serviço reverente, que surge da concepção: “Krishna é o Mestre, e eu sou o servo”, o que existe naqueles que Me servem apenas segundo tal concepção e nada mais veem entre nós, porque assim Eu os doo alguns tipos de interação. Por outro lado, aumentando a intimidade, em sakhya-rati a total confiança entre nós se faz, e aquele que a atém pensa e sente que é igual a Mim. Sendo assim, esta forma de apego está frequentemente acompanhada por gracejos e brincadeiras, como existe entre os gopas com os quais me aconchego nos passatempos em que a amizade é o sentimento que se faz predominar. Indo um pouco mais além do que é o sentimento de amizade, existe a afeição parental, que se estabelece no coração daqueles que desejam de Minha Pessoa cuidar, como seu associado no ambiente familiar. Vatsalya-rati é o tipo de apego que existe em parentes e familiares, que ocupam postos superiores, e desejam Me nutrir, proteger, bênçãos Me oferecer e com amor Me tocar. No entanto, há também o Meu apego por aqueles que Eu desejo nutrir, deles cuidar, a eles favorecer, oferecendo-os bênçãos e tocando-os com amor de pai ou partindo de algum outro posto superior, e isso não é comentado na obra cujos raciocínios nos dispomos a acompanhar.
Aprofundando ainda mais a relação que há entre a fonte do amor e o receptáculo do que de tal fonte se originou, a fim de a este amor propagar, experimento a atração conjugal com o aspecto de Mim que está na Minha shakti e em suas expansões.Madhura-rati é mencionada então como o apego das gopis de Vraja e Minha própria expressão pessoal, mas na verdade Eu estendo sua influência às demais relações conjugais que co-crio, o que envolve as experiências esponsais que faço acontecer em Dwarka também. O livro que aqui se comenta menciona algumas atividades que expressam tal tipo de rati, como a troca de olhares, de palavras doces e sorrisos. Porém, Madhura-rati é muito mais profunda e as interações que a partir dela resultam merecem ser melhor comentadas em um outro momento e em mais adequada ocasião. Desejo apresentar certos aprofundamentos em torno do que somente alguns podem com profundidade compreender, mas que a muitos há de esclarecer porque existe no ponto de culminância das Minhas relações.
Continuando a desenvolver as ideias que estavam sendo articuladas antes de adentrarmos na questão das rasas que compõem aos diferentes tipos de apego que acima se fez notar, ainda há o que se dizer a respeito do apego em sthayibhava que é secundário. Ele é chamado Gauna-rati, e aflora de vibhava, manifestando-se através de sintomas que acompanham ao que a partir demukhya-rati despontou. Sete tipos de sintomas que são contidos dentro desta categoria de rati são mencionados: comédia, perplexidade, entusiasmo, compaixão, irritação, medo e desgosto. Os seis primeiros surgem do que se convencionou denominarKrsna-bhava, pois se manifestam diretamente a partir do que o devoto sente ao Comigo estar, dentro da manifestação de mukhya-ratique lhe seja peculiar. Porém, o último dos sete sintomas se manifesta da reprovação que o corpo material e o padrão de existência onde ele se insere causa ao devoto que experimenta de suddha-rati. Isso acontece porque a experiência de amor transcendental faz com que o asraya se deixe envolver pelo que o dirige a transcender ao corpo material e às suas precárias necessidades, e então deseja apenas ficar naquele lugar para onde Eu o direciono sempre que Comigo ele se permite estar, porque Eu permito que assim seja a nossa relação.
Todos estes sete sintomas em gauna-rati são tidos como circunstanciais e não se expressam em fluxo constante, mas eventualmente podem se tornar dominantes e à natural suddha-rati sobrepujar. No entanto, eles só podem ser considerados ratienquanto forem favoráveis a Mim, caso contrário, serão apenas sentimentos humanos mundanos, que à jiva distanciará dAquele que pode lhe favorecer com tais experiências transcendentais. Para aqueles que Me satisfazem, satisfazendo-se dos intercâmbios de sentimentos que entre nós se fazem, até mesmo o desânimo (visada) é composto de imensa alegria, porque, neste caso, se trata especificamente de uma expressão do recíproco amor que há entre Meu devoto e o visaya que é o seu Senhor, amigo, irmão, consorte ou o que for. Pode-se dizer que rati encanta à mente e nutre-se a si mesma junto com os bhavas, os quais, por sua vez, assistem rati, e a causa fundamental se faz para o serviço transcendental (seva).
Quando um devoto atinge krsna-rati ou apego por quem Eu Sou, este apego se transforma em rasa (relação) e origina o prazer da união. Em momentos em que há sentimento de separação (vipralamba), o intenso sofrimento que surge naquele Meu associado que inspiro a tal sensação experimentar é pleno do mais elevado tipo de felicidade e de atitude de contemplação. Em estado de perfeição (siddha), o qual se atinge com o aprofundamento da relação, rasa é eterna, indivisa e automanifesta, e pode ser percebida como tal durante o estágio desadhana (prática devocional), mesmo a partir da realidade mundana. Arasa eternamente perfeita (nitya-siddha), a qual é completa e ininterrupta, se estabelece por cultivo dos bhavas que afloram no coração, e elas nunca mais ao devoto abandonarão, pois ele atingiu a tal estado de perfeição, que é o objeto original de sua busca espiritual e de toda a atividade religiosa a que ele possa se doar.
Sri Krishna (31/07/2013)
Conteúdo obtido por sintonização, através de Valéria Moraes Ornellas, Sacerdotisa da Ordem de Zadkiel e co-fundadora da Editora Sétimo Raio, Rio de Janeiro – RJ, e originalmente publicado em http://srikrishnaadishakti.blogspot.com.br. Este material faz parte dos recursos de apoio ao curso de Rasa-Tattva: Princípio do Amor Divino, que será oferecido em breve pela Ordem de Zadkiel, na cidade do Rio de Janeiro. Se desejar divulgar este texto, favor citar devidamente a autoria e a fonte original da publicação.
Obs.: Estamos estudando o livro Jaiva-Dharma, de Srila Bhaktivinoda Thakura, e, a fim de complementar nossas compreensões e aprofundá-las, Sri Krishna nos ofereceu seus comentários a trechos da parte desta obra que trata de Rasa-Tattva. Este trabalho é feito através de uma parceria, que envolve a leitura e seleção dos trechos que eu mesma faço, porém, sob orientação do Senhor; e seus comentários, os quais transcrevo na forma das explicações que acompanham às descrições do que é apresentado por Srila Bhaktivinoda. O resultado será publicado periodicamente nesta página e constituirá a base de um curso que será ministrado na Ordem de Zadkiel – RJ.